Sim nós podemos. Estas três simples palavras ganharam proporções míticas após saírem da boca de Barack Obama durante sua campanha eleitoral em 2008, cativando e emocionando milhões de pessoas ao redor do globo. Ainda que o paralelo não tenha sido feito na época, a obstinação do atual presidente dos EUA em devolver ao seu país os traços de grandeza de outrora traz contornos do pensamento maquiavélico.
Nascido em Florença no dia 3 de maio de 1469, Nicolau Maquiavel assistiu de perto, ao longo de seus cinqüenta e oito anos de vida, toda a exaltação política da península itálica, com principados que lutavam entre si, nascimentos e mortes de repúblicas e a miséria daqueles que se punham no meio destes processos, sendo ele uma das vítimas. Mesmo o poderoso Vaticano parecia enfraquecido, frente aos assédios dos bórgias.
Frente a este imbróglio, parece apenas justo que “Old Nick”, como o filósofo italiano foi apelidado por Shakespeare, devotasse seu tempo ao estudo do estado, mais especificamente a manutenção deste. Eis o humanismo de Maquiavel: criar um estado duradouro para acabar com parte do sofrimento humano.
Voltando ao nosso exemplo, Obama possui, segundo a óptica maquiavélica, virtù, ou seja, virtudes para domar a situação, qualidade mister ao bom governante. Ainda que favorecido pela situação deixada por George W. Bush, coube ao então senador de Illinois fazer uso desta herança com perícia. “Sim, nós podemos mudar esta nação”, disse ele em seus discursos, como quem joga a fera ao chão, pronto para domá-la. Mas a fortuna, como diz a ópera de Carl Off, é como a lua e muda constantemente.
Passados poucos meses de sua posse, a conjuntura que abriu os caminhos da Casa Branca para o primeiro presidente negro já se mostrava menos vantajosa. Entre em cena então o homem com virtú: para manter a situação sob controle, concessões começam a ser feitas. Uma das principais promessas de seu programa, a reforma do sistema de saúde, foi posta de lado. Colocar em prática tal promessa traria problemas incalculáveis para a sua nascente administração, uma vez que ele teria que enfrentar a insatisfação dos grandes monopólios do setor de saúde dos EUA. Disse Maquiavel “Um príncipe sábio não pode, pois, nem deve manter-se fiel às suas promessas quando, extinta a causa que o levou a fazê-las, o cumprimento delas lhe traz prejuízo”, e Obama consente.
Outro parágrafo esquecido de seu programa de campanha dava conta da retirada das forças armadas norte-americanas do Iraque. No entanto, com seis meses de governo, ele anunciou a manutenção de 50 mil soldados no país até o final de 2011 e reforços na marca de 21 mil homens para as tropas no Afeganistão. Ao mesmo tempo, ele recebia o prêmio Nobel da Paz, pelos seus “extraordinários esforços para reforçar o papel da diplomacia internacional e a cooperação entre os povos”. Mais uma vez, é possível ouvir os ecos dos ensinamentos do pensador florentino - um príncipe deve ser, ao mesmo tempo, amado e temido.
Entre malabarismos de palavras e frieza de ações, Barack Obama se mostra como o verdadeiro homem de virtú, respondendo as demandas do próprio poder enquanto pondera as exigências do povo.
Will.i.am - Yes, we can
"Uma das principais promessas de seu programa, a reforma do sistema de saúde, foi posta de lado. Colocar em prática tal promessa traria problemas incalculáveis para a sua nascente administração, uma vez que ele teria que enfrentar a insatisfação dos grandes monopólios do setor de saúde dos EUA." Só uma correçao: essa semana o projeto que modifica o sistema de saude norte-ameriacano proposto por Obama foi aprovado. Ou seja, nao foi colocado de lado como escrito no paragrafo acima!
ResponderExcluirLuiza, fizemos o texto antes de ele ser aprovado, por isso...
ResponderExcluirMas existem outras atitudes que mostram que Obama não está cumprindo todas suas promessas, como no caso do reforço de soldados no Afeganistão, a existência de soldados ainda no Iraque e a base em Guantánamo.
hahahah é,a gente tambem fez sobre o Obama! Mas o que eu quis dizer é que na verdade nao foi "deixado de lado", ele so tava esperando ser aprovado.
ResponderExcluirEntão, o nosso argumento é que o Obama adiou a reforma para manter sua governabilidade. Os democratas poderiam ter proposto o texto da lei logo no começo do governo, mas preferiram estudar todo o relevo do Congresso para ver se a votação seria favorável, temendo que uma negativa pudesse abalar a governabilidade do presidente.
ResponderExcluirPor isso que o título do texto é "Será que eu posso?" - ainda que o grande lema de Obama seja o poder do coletivo, ele faz uso de sua força política para guiar este poder na direção desejada. É o homem de virtù domando a Fortuna.
-Conrado Ferrato
Com certeza, não se pode negar que o presidente Barack Obama é um líder carismático que, durante sua campanha e diante da situação em que os EUA se encontravam sob o governo de George W. Bush, trouxe à população a esperança de que o país era capaz de mudar para melhor. Além disso, em um mundo onde a comunicação é fundamental e a globalização é palavra de ordem, a estratégia do uso das tecnologias para sua campanha e divulgação de suas propostas foi outro fator forte da sua eleição e também trouxe aos eleitores a idéia de transparência e confiança. Ao tratar da crise econômica mundial, mostrou-se confiante de que a recuperação norte-americana não estava longe de ser alcançada, mesmo que, ainda hoje, é possível notar que os efeitos ainda surtem no país. Esses pontos são claramente associáveis ao conceito maquiavélico de Virtù, como citado no texto.
ResponderExcluirEntretanto, é complexo suprir a necessidade de dois lados ao mesmo tempo: a revogação da política externa agressiva de Bush, criando outra totalmente distinta, e investir na política interna, como desejava o eleitorado. Assim, contrariando a sua suposta Virtù, a queda da popularidade de Obama nos EUA foi vertiginosa, já que muitas das suas atitudes não têm aprovação por grande parte da população norte-americana. Protestos associando a sua imagem ao socialismo por conta de intervenção estatal na economia ficaram marcados como um dos primeiros sinais de que seu governo não cumpriria todas as expectativas. Apesar disso, ao contrário do que foi afirmado no texto, o presidente conseguiu sim a aprovação do seu projeto de reforma no sistema de saúde pública no Congresso, porém com a total reprovação do Partido Republicano (212 votos contra 219). Sim, Obama decidiu correr tal risco. Chegou também a afrouxar o embargo econômico contra Cuba e iniciar a retirada do Iraque. Todavia, para os olhos da população norte-americana, tais medidas ainda não são o bastante: no Afeganistão, exemplo citado no texto, o contingente de soldados aumentou.
Diante de todos esses fatos, conclui-se que talvez Barack Obama não disponha de tanta sagacidade e flexibilidade para atender as exigências da população do quarto maior país do mundo. Para o mundo, um governo norte-americano que oferece, depois da radicalidade do governo anterior, a possibilidade de um multilateralismo, é uma mudança significativa; para os que realmente interessam (os seus eleitores) ainda se apresenta como uma grande decepção. No cenário dos últimos anos, em que a Fortuna não tem auxiliado a quase ninguém, se a Virtù – que para Maquiavel é essencial para um bom príncipe – realmente existir (ou diria, se revelar), esse quadro de rejeição se reverterá até o fim do seu mandato.
As informações relacionadas ao governo Obama já foram atualizadas nos comentários.
ResponderExcluirO breve histórico a respeito de Maquiavel pontou questões importantes do autor, mas a articulação entre seus conceitos e o governo Obama precisavam ser melhor explicitadas, pois não ficou claro como os autores do texto entendem essa relação.
Rose