terça-feira, 18 de maio de 2010

Até que os interesses os unam

GRUPO APOLÍTICOS

“As causas latentes das facções estão assim, semeadas na natureza do homem e por toda parte a vemos atuando em diferentes níveis de atividade, de acordo com as variadas circunstâncias da sociedade civil”. (O Federalista)


O atual presidente do Brasil tem sido alvo de inúmeras críticas por se aliar com aqueles que foram, em um passado recente, alguns de seus maiores inimigos. Quando era candidato à presidência da república, Luís Inácio Lula da Silva criticava ferrenhamente o PMDB, especialmente a figura de José Sarney. Hoje, o mesmo homem defende o então presidente do senado e o PMDB é, de longe, seu maior aliado no Congresso. Como explicar essa mudança radical? A resposta pode estar na dinâmica do governo republicano federativo.

O modelo de federalismo adotado hoje no Brasil foi inspirado no dos EUA. Este, por sua vez, foi adotado após uma série de debates ocorridos durante o processo de independência do país. No sentido da adoção do federalismo, tivemos a colaboração da campanha exercida por Hamilton, Madison e Jay no estado de Nova Iorque, por volta de 1787, através de artigos onde os mesmos defendiam o federalismo, depois reunidos na obra O Federalista.
Entre os argumentos utilizados pelos autores para defender o regime federalista está o controle que o mesmo propicia sobre as diferentes facções existentes em uma sociedade. Madison, no artigo 10, define facção como “um grupo de cidadãos, representando quer a maioria, quer a minoria do conjunto, unidos e agindo sob impulso comum de sentimentos ou de interesses permanentes e coletivos da comunidades”. Em uma sociedade (especialmente republicana) existem várias facções, algumas legais, outras ilegais. Concentremo-nos em um tipo específico de facção legal: o partido político. De fato, um partido pode ser entendido como uma facção no sentido de ser um grupo de cidadãos reunidos para defender os interesses de um determinado grupo social (seja grande, ou pequeno). Como todo tipo de facção, eles disputam entre si, uma vez que possuem interesses diferentes, sendo o campo de batalha as urnas (no caso de uma república) e posteriormente as altas esferas do poder.
Sendo os partidos políticos facções que lutam em prol dos interesses de um determinado grupo social, ao invés do bem público geral, como é possível barrá-los? Para Madison, a solução estaria no tamanho de uma república e nos seus mecanismos. Uma grande república estaria menos propensa ao controle das facções devido ao grande número de pessoas nela presente, significando um número maior de interesses e, consequentemente, um número maior de facções com poder menor. Uma vez existindo um grande número de facções, as mesmas perdem maioria política, requisito essencial para tomada de decisões em um regime republicano.
Partidos políticos dificilmente conseguem maioria em um governo, e isso é bom para evitar que os mesmos usem o governo para interesses próprios. Mas há um porém: como os mesmos partidos conseguem governar? Aqui cabe voltarmos para o ponto tocado logo no início deste texto. Peguemos o caso do PT. Como qualquer outro partido, ele também é uma facção, que conseguiu chegar ao maior cargo do poder executivo brasileiro através da figura do Lula. O fato do PT ocupar atualmente a presidência, contudo, não se mostra suficiente para que o mesmo consiga governar plenamente sem depender dos outros partidos.
O executivo (a presidência) é uma das divisões do poder adotadas no Brasil. Embora autônomo em relação aos outros poderes, ainda há uma grande dependência entre os mesmos, no sentido de que não possui atribuições constitucionais que lhe permitam governar sozinho. Não pode decretar leis, fazer com que elas sejam cumpridas e punir os infratores. Requisitos necessários para a manutenção de um Estado, obrigam o executivo a trabalhar em conjunto com os outros poderes. Estes são os contrapesos pregados por Montesquieu e abordados em O Federalista.
Em relação aos outros poderes, talvez o que se mostre mais precioso para o presidente (no Brasil, pelo menos) seja o Legislativo. Muitos dos planos governamentais vindos do executivo precisam passar pelo crivo do congresso nacional. Igualmente, só que em sentido oposto, muitas das leis aprovadas pelo Congresso precisam ser sancionadas pelo presidente da república antes de entrarem em vigor. Um poder, no entanto, não pode interferir diretamente no outro. Como, então, garantir a governabilidade?
Uma solução seria o partido do presidente ter maioria no congresso, porém, como vimos, o regime republicano federativo impossibilita esta solução. A alternativa é, então, criar uma base aliada dentro do congresso com outros partidos políticos que possibilite a governabilidade. No caso do atual governo, essa aliança surgiu entre PT e PMDB, e tem permitido ao mesmo governar com maior desenvoltura.
Claro que isso não explica por completo as atitudes governamentais. Este texto não pretende defender o atual governo, nem criticá-lo, mas sim mostrar como funciona, na prática, o jogo de poder em uma república federativa.
Em relação ao sistema de alianças, é necessário ainda comentar que, quando partidos políticos (leia-se facções) se juntam para conseguir maioria em um governo, isso não se dá sem que ambas as partes saiam perdendo, uma vez que cada grupo partidário possui interesses próprios, e, ao firmar um acordo, precisa abdicar de determinados planos para não entrar em conflito com seus aliados.
Portanto, percebemos que as barreiras impostas pelo sistema republicano federativo exigem dos políticos uma atitude que muitas vezes passa por cima dos interesses e ideologias dos mesmos. Talvez este seja o ponto que fez deste um sistema tão adotado no mundo contemporâneo.  Em contrapartida, é preciso observar que o mesmo mecanismo pode trazer benefícios e malefícios, uma vez que pode dificultar em excesso a governabilidade e encaminhar atitudes políticas em direções opostas das que elas propunham inicialmente. É uma discussão ainda muito distante de se chegar a uma conclusão, mas podemos ver seu desenvolvimento e formar uma opinião que venha até a contribuir com as futuras discussões.

2 comentários:

  1. “Em relação ao sistema de alianças, é necessário ainda comentar que, quando partidos políticos se juntam para conseguir maioria em um governo, isso não se dá sem que ambas as partes saiam perdendo, uma vez que cada grupo partidário possui interesses próprios, e, ao firmar um acordo, precisa abdicar de determinados planos para não entrar em conflito com seus aliados.” Apesar das concessões feitas para a perpetuação no governo, ao longo do tempo (dos mandatos no caso) há facções que convertem novos integrantes e dinheiro para as suas causas simplesmente pelo poder aparente e não pelos seus ideais. A obra “Os federalistas” se refere às causas como passionais, e por isso seria realmente uma derrota para os seus partidários fazer acordos com outros que não compartilhassem de seus projetos de governo. Atualmente, porém, grande parte dos componentes do Estado trata de acordos políticos de forma muito mais industrial (automática e funcional), o fato da rotação dos políticos pelos partidos ser cada vez mais freqüente e menos questionada prova isso. Os partidos não representam mais um meio para as mudanças sociais preferidas pelos seus integrantes (resultado do seu ideário) e sim o caminho mais fácil para os benefícios privados. Bom, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e também as formas de manter os provilégios.

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  2. Parabéns pelo texto elaborado que consegue explicar, de forma clara, como funciona a política em uma república federalista.
    É comum a mídia criticar os famosos Mensalões(tanto do PT quanto do DEM e do PSDB). O fenômeno está longe de ser defensável,no entanto a imprensa não a raiz desse problema.
    A forma como funciona o sistema político brasileiro faz com que a corrupção seja quase inevitável.
    Como já explicado no texto acima, o presidente necessita que o Legislativo aprove suas propostas. Porém,muitas vezes os interesses representados pela maioria no Congresso contrastam de forma gritante com o que é defendido pelo Executivo. Por um lado,isso é um sinal de democracia,no entanto também não deixa de ser um exemplo de como o brasileiro vota de forma contraditória.
    Percebe-se uma valorização da eleição dos cargos executivos,há destaque na mídia,as pessoas comentam o assunto. Em contraponto,os cargos legislativos são extremamente desvalorizados,a população não recebe informações a respeito dos candidatos e o voto não é feito de maneira coerente.
    Esse fenômeno obriga os partidos a fazerem alianças,um tanto desprovidas de ideologia,para poderem ter poder.
    É evidente que isso não justifica e nem muito menos explica totalmente a corrupção presente no sistema político.No entanto,não deixa de ser um assunto interessante , que é pouco explorado pela mídia.

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